Este boletim (“newsletter”) e o seu autor posicionam-se à esquerda, sem equívocos. Lucidamente, reconhecendo que a esquerda tradicional está em crise e que não consegue dar resposta às preocupações e insatisfações das mais amplas camadas populares. Entretanto, a ameaça da ultradireita vai-se tornando real por toda a Europa e em vários países americanos. Esse vazio tem de ser preenchido, sob pena de abrir a porta à barbárie.

Uma nova e necessária esquerda, consequente, lutadora, com objetivos claros a permitirem estratégias e programas políticos e sociais eficazes e ajustados aos tempos de hoje, ainda não dá sinais de se estar a formar, apesar de se ver sinais de uma crise estrutural dos sistema. Segundo uma fórmula conhecida, vivemos num interregno, em que o velho ainda não morreu e o novo ainda não pode nascer, interregno durante o qual aparecem todos os sintomas mórbidos.

No plano das ideias, da ideologia, convergem vários fatores altamente negativos. O sistema dominante conseguiu controlar instrumentos culturais e ideológicos essenciais – da universidade à comunicação social, e muito mais – que garantiram uma quase absoluta hegemonia, com os valores e princípios neoliberais a penetrarem na mentalidade geral, no senso comum, mesmo das classes trabalhadoras e desfavorecidas.

Ganhou peso em setores de esquerda de raiz pequeno-burguesa e intelectual a perspetiva relativista, amoral, na prática niilista, do pós-modernismo, depois prolongado pelas ideologias identitaristas, tudo resultando em irracionalismo e empobrecimento mental.

Da mesma forma, perdeu-se – também com culpas para a própria esquerda – o sentido da totalidade dialética, da complexidade, da multiplicidade de fatores da determinação, do jogo das contradições e da sua resolução. Há a noção de se estar a viver em grande agitação, de que se sucedem os sismos com frequência acelerada, mas a maioria dos atores filosóficos e políticos não se apercebe de que esses sismos à superfície só podem ser compreendidos se considerados os movimentos e alargamentos de placas tectónicas e falhas.

Estes tempos agitados, de mares convulsos, favorecem as perturbações da serenidade mental, o esquematismo, o maniqueismo, as paixões cegantes; é preciso saber ver por baixo da espuma das ondas desta crise.

Nestes últimos anos, grande parte das preocupações e dos discursos de largos setores de esquerda desviaram-se para a perspetiva geopolítica, com menorização dos fatores económicos e sociais que são o motor do processo histórico. Parece que já não existem classes sociais, nem conflitos de classe, que a economia política se reduz às visões liberais, que as lutas pelos interesses populares, pela justiça social e internacional, pela paz em nada interessam quando comparadas com o que se passa nos salões palacianos do poder, seja de um ou outro dos blocos maniqueistas. Passarmos por baixo da espuma e apercebermo-nos do que são as verdadeiras correntes de água é uma tarefa urgente e imperiosa.

Por tudo isto, o campo largo da comunicação é essencial. A comunicação social se degradou e se tornou mais transparentemente um instrumento do sistema. O papel do jornalista deixou de ser o de escrever para os leitores, para passar a ser o de escrever para os chefes e os donos. As redes sociais agravam a situação, seja porque são ainda mais vulneráveis à manipulação seja porque são, em geral, avessas à racionalidade, à objetividade, à resistência ao sectarismo.

Tenho escrito com muita frequência no Facebook, inclusive textos com alguma extensão e profundidade e tento avaliar o seu impacto. Em geral, creio que não é o veículo ideal para o que pretendo difundir.

É um meio que privilegia a leitura rápida e superficial, o “sound bite”, o linearismo simplista. Ora é coisa indiscutível que cada vez mais o mundo de hoje é complexo, incompatível com visões esquemáticas ou dogmáticas, mas em que as situações reais (guerras, conflitos geoestratégicos, polarizações políticas) empurram por facilitismo para essas visões mais cómodas e ilusoriamente tranquilizadoras. Funcionam muito em bolhas impermeáveis, só permitindo interações ocasionais entre elas. A comunicação é em circuito fechado, que não sai para fora da superfície da bolha.. A sua expansão faz-se como no universo do Big Bang, como um balão a encher-se em que a superfície vai aumentando mas os pontos são os mesmos, só cada vez mais afastados.

Inicio agora uma nova experiência comunicacional, de envio de um boletim (“newsletter”) por correio eletrónico, a uma lista de amigos potencialmente interessados. Para continuarem a recebê-lo, devem fazer assinatura (subscrição), que é gratuita. Se gostarem deste boletim, que, em princípio, será semanal (mas sem compromisso), peço que me enviem um comentário crítico ou sugestões sobre o conteúdo e a forma e que o divulguem entre os vossos amigos. Os mais antigos nestas lides computacionais recordam-se de que as “newsletters”, por listas de e-mail, foram a primeira forma de rede social? Caíram em desuso e voltam agora, com recursos muito mais potentes, como esta plataforma Substack.

Por que se inscrever?

Inscreva-se para obter acesso completo à newsletter e arquivos de publicação.

Inscreva-se para fazer parte de uma rede de leitores em interação mútua, com um fórum de discussão.

Inscreva-se para com isso dar um sinal de apoio ao autor, incentivando-‘ a manter este esforço, em idade que já justifica pleno descanso.

Mantenha-se atualizado

Nunca perca uma atualização — cada novo post é enviado diretamente para a sua caixa de email. Para uma experiência de leitura livre de spam e anúncios, além de recursos de áudio e comunidade, obtenha o App Substack..

Para saber mais sobre a plataforma de tecnologia que alimenta esta publicação, visite Substack.com.

Avatar de User

Subscribe to Por baixo da espuma

Estes tempos agitados, de mares convulsos, favorecem as perturbações da serenidade mental, o esquematismo, o maniqueismo, as paixões cegantes; é preciso saber ver por baixo da espuma das ondas desta crise.

People

Investigador e professor universitário (Virolggia e Biologia molecular), reformado. Consultor em política da Educação superior e ciência. Ensaísta.