#37– O regresso da besta (III)
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O Guardian publicou um artigo notável sobre universitários americanos que se vão mudar para o Canadá. Uma delas, Marci Shore, diz uma coisa a ter bem presente e que faz lembrar o célebre poema do pastor Martin Niemöller (muitas vezes atribuído erradamente a Brecht) “Primeiro foram os comunistas…”.
Diz o artigo, sobre Marci Shore: “A lição de 1933 é: é melhor sair mais cedo do que tarde”. Ela parecia estar a dizer que o que aconteceu naquela época, na Alemanha, poderia acontecer agora, na América de Donald Trump — e que qualquer pessoa tentada a acusá-la de exagero ou alarmismo estava a cometer um erro. ‘Os meus colegas e amigos andavam por aí a dizer: Temos freios e contrapesos. Então, vamos inspirar, freios e contrapesos, expirar, freios e contrapesos’. Eu pensei: meu Deus, somos como as pessoas no Titanic dizendo: ‘O nosso navio não se pode afundar. Temos o melhor navio. Temos o navio mais forte. Temos o maior navio’. E o que sei como historiadora é que não existe navio que não se possa afundar.”
O TEMPO DOS MONSTROS
“Adolescente português acusado de instigar massacre no Brasil queria ter “o máximo de seguidores. Acusado de ordenar massacres em escolas brasileiras e tortura de animais. Também partilhou pornografia infantil, incluindo de bebés, diz Ministério Público.” Deixo, sem comentários, a ligação a duas notícias do Público sobre este caso, , aqui e aqui. Já não são novas mas merecem destaque.
Poucos entre nós leem Gramsci, que hoje já entrou na galeria dos clássicos marxistas mas com uma modernidade cada dia mais evidente. Mesmo pouco lido, escreveu uma coisa lapidar que muita gente já cita: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está a morrer e o novo ainda não pode nascer. Neste interregno, aparece uma grande variedade de sintomas mórbidos” (Cadernos do Cárcere, caderno 3, parágrafo 34). É neste interregno que reina a besta.
Os sintomas mórbidos estão à vista por todo o lado. Os cadáveres da peste negra amontoam-se nas ruas, como na idade média e só um cego mental – isto é, cegado pelo acriticismo dominante – é que não os vê, meemos nas ruas de Lisboa.
O REGRESSO DA BESTA (III)
Na pausa d a viagem, reli o já escrito deste miniensaio, para poder reatar o fio condutor e dei por algumas omissões que merecem preenchimento. Aqui vai, em notas intercalares, antes de retomar o fio à meada.
Nota intercalar sobre nomenclatura
Talvez por formação profissional, dou a maior atenção ao rigor terminológico. A sua falta é uma das mais frequentes fontes de confusão, de incapacidade de comunicação e diálogo. Não há rigor científico que não passe pelo rigor terminológico.
Em relação ao problema de que temos vindo a tratar, há alguma dispersão vocabular que justifica um esforço de clarificação. Aquilo de que temos estado a falar tanto é designado como extrema-direita, ultradireita (o termo que eu usei no meu livro Utopia Hoje), neofascismo, fascismo (como no século passado), populismo e até designações tão “moles” como regimes autoritários ou democracias iliberais.
Democracia iliberal é uma expressão bastante contraditória. É certo que ser liberal não esgota a democracia, podendo-se conceber outros modelos – como a democracia participativa – que aprofundam a democracia formal representativa mas, na prática, a democracia hoje existente ou respeita – pelo menos – os valores originais do liberalismo político iluminista ou não é de facto democracia. Além disso, é vulgar incluir-se nesta noção, e bem, regimes concretos que estão na franja do neofascismo mas que não preenchem tudo o que tenho vindo a expor como as suas características essenciais. É o caso, por exemplo, da Rússia, da Turquia ou do anterior governo polaco. São regimes autoritários, como muitos outros fora da Europa, mas não encaixam completamente na caracterização da ultradireita. O caso da Hungria de Orbán já é diferente, até pelo aspeto prático de ser o motor principal de um dos grupos de ultradireita manifesta no Parlamento Europeu.
Há também um caso atípico que, talvez para surpresa de muitos leitores, não considero como de neofascismo, o da Argentina de Millei. Mais adiante justificarei esta afirmação. A ideologia e a política de Millei são obviamente antidemocráticas, antipopulares, mas, estruturalmente, representam um movimento oposto ao neofascismo. Como tentarei demonstrar adiante, o neofascismo da ultradireita é uma reação do capitalismo arcaico contra o capitalismo financeiro, globalizador e neoliberal. É com este que Millei alinha, de forma extremada, podendo ser considerado como um “ultraneoliberal”.
Da mesma forma, regimes autoritários é designação demasiado vaga, porque há muitos e variados por esse mundo fora, desde ditaduras militares a teocracias, que não encaixam no fenómeno que estamos a discutir. Aliás, parece haver uma tendência geral para o autoritarismo em todo o mundo dito democrático.
O termo populismo, que tem sido utilizado – tenho a impressão de que cada vez menos – é ambíguo. É certo que há importantes componentes de populismo no neofascismo: a tendência para a ligação direta entre um líder carismático e as massas, com subalternização da democracia interna dos partidos e organizações sociais; a divisão não classista das pessoas em dois grupos inorgânicos antagónicos e mal caracterizados, a casta e o povo, os de cima e os de baixo; o recurso sistemático à demagogia; a negação da validade da dicotomia esquerda-direita; o privilégio de questões que sensibilizam primária e imediatamente a opinião de grandes grupos de pessoas. No entanto, todas estas características são comuns a correntes populistas de esquerda, nomeadamente na América Latina. A diferença é que o populismo neofascista acrescenta ao binómio casta-gente comum um terceiro grupo “aberrante”, alheio, que serve de bode expiatório para desviar para si a hostilidade das massas em relação aos verdadeiros opressores. No fascismo clássico foram os judeus, agora são os imigrantes.
Também não concordo com a utilização do simples termo fascismo para a situação atual. São situações com muitas proximidades mas também com diferenças significativas que ficam obscurecidas pelo facilitismo de assimilação ao fascismo da situação atual. Se reduzirmos a situação atual ao fascismo clássico, não nos apercebemos das suas atuais especificidades, não o compreendemos de forma a poder combatê-lo eficazmente. Além disso, é bem provável que a besta atual não precise de se socorrer da extrema violência do fascismo clássico. Identificar ambos pode dar a ideia aos menos informados de que o fascismo foi o que eles veem agora, branqueando.-se assim os horrores do fascismo do século passado.
Extrema-direita é designação que também não me agrada, embora seja muito usada e em diversas línguas. Peca pior parecer localizar a besta no mesmo plano, no mesmo tabuleiro político, em que se situa todo o leque político-partidário das várias formas de esquerda e de direita. Aponta para uma continuidade “geométrica” com toda a direita, que pode causar enganos arriscados e traduz alguma dificuldade de definição mais precisa, assim como quando se fala em centro-esquerda englobado numa noção de esquerda com muito de impreciso. Será preferível dizer-se ultradireita, apontando
Por isso, uso habitualmente o termo ultradireita – que já começo a ver adotado por outros – que aponta para uma localização para além, para fora, do sistema “normal”. Remete para uma posição para além de uma fronteira que, apesar de tudo, a direita tradicional, conservadora, antiprogresso, defensora estrénua do capitalismo, mas respeitando no essencial a democracia liberal, não se atreve a cruzar. É uma designação que tem alguma analogia com o anglossaxónico “alt-right”, menos usado do que o clássico “far-right”.
Igualmente correto, parece-me, é o termo neofascismo, que realça a proximidade essencial com o fascismo clássico mas indicando a diferença. Uso indiferentemente os dois termos, neofascismo e ultradireita, mas com uma nuance. Neofascismo refere-se mais ao conjunto ideológico, político e social, enquanto que ultradireita é mais a sua expressão política institucional.
Segunda nota intercalar, sobre aspetos já discutidos nos números anteriores
A flexibilidade oportunista
Um aspeto muito interessante do neofascismo é a sua ductilidade, ao contrário da rigidez “monumental” do fascismo clássico. Uma manifestação dessa flexibilidade é a capacidade de mudança rápida, com uma evolução significativa nos últimos tempos, mesmo no Portugal do Chega. Por vezes, o oportunismo surpreende completamente, como, por exemplo, no caso do europeísmo e na simpatia para com a Ucrânia do governo Meloni, contra a corrente maior do neofascismo europeu.
Nos tempos mais recentes, e articulando-se com a progressão eleitoral, assistimos a uma alteração sensível de atitudes, no neofascismo e em relação ao neofascismo. Uma mudança é a sua normalização. A ultradireita, o neofascismo, deixa de ser uma excrescência anómala do sistema democrático. Em boa parte com o argumento democrático do respeito pelo voto, como se houvesse uma vocação suicida da democracia, faz-se o branqueamento do neofascismo, quase o considerando como uma expressão natural da diversidade de opiniões. A comunicação social tem tido uma responsabilidade grande neste fenómeno.
Assistimos até ao caso surreal de neofascistas ou muito próximos, como JD Vance ou Marco Rubio, verberarem países europeus em nome da democracia - que a palavra lhes queime a boca! - por de alguma forma combaterem o voto na ultradireita, no caso a AfD. Outro exemplo sintomático dessa normalização foi o facto de a União Nacional de Lê Pen ter ganho no 16o “arrondissement” de Paris, um bastião da classe alta conservadora mas à maneira tradicional e liberal.
A segunda tónica, que converge com a anterior, é a da negação cosmética, também iniciada por Marine Le Pen, marcando a diferença em relação ao pai, e bem manifestado, repetidamente, pelo representante do Chega na RTP durante a noite eleitoral. Não são de extrema direita, muito menos fascistas. Sao democratas nacionalistas e tradicionalistas… Estranha forma de ser democrata quando, na mesma noite, um Ventura triunfante proclamava que o Chega vai “redimir o povo português destes 50 anos de democracia”.
Terceiro aspeto, bem visível nos últimos acontecimentos, é a desinibição. A força eleitoral, o referido sentimento de normalização e um bom grau de impunidade permitem a passagem de uma fase folclórica e de discurso demagógico para uma fase ofensiva concreta. O discurso de ódio transvaza para a violência física.
2. O projeto de futuro.
Acrescento alguma coisa mais ao já exposto sobre identidades e diferenças entre o fascismo clássico e o neofascismo atual.
Um aspeto marcante é a falta hoje de um projeto histórico do neofascismo. Parece cumprir-se a máxima célebre de Marx, no “18 de brumário”: a história repete-se, mas primeiro como drama e depois como farsa. A ideologia fascista era “positiva”, no sentido de ser afirmativa, propositiva, portadora de um projeto de transformação. A isto obedecia todo o seu invólucro de totalitarismo, de conceção de “homem novo”, super-homem nietzchiano, o possuidor final do anel dos Niebelungos. Por isto também a estética imperial, o apelo a correntes avançadas (ou pseudoavançadas) da intelectualidade, como os futuristas (Marinetti e D’Annunzio, Pessoa e Almada em Portugal), O fascismo era essencialmente um redentorismo.
O neofascismo é a farsa dessa repetição. Intelectualmente, é rasca. No plano das ideias, é retrógrado, não tem visão – por monstruosa que fosse a anterior – não apresenta um projeto de sociedade. Limita-se a ser reactivo, com isto colhendo “os doces frutos do ventre” da mediocridade.
Salazar foi o produto beato-coimbrão da nossa ruralidade, mesmo com o verniz da educação académica, mas isto dava-lhe alguma estatura. Ventura é simplesmente o vidrinho, personagem picaresca na tradição galaico-portuguesa da mesquinhez espertalhaço, na versão moderna do trauliteirismo dos debates televisivos de futebol. Não é o herdeiro dos nossos pensadores do tradicionalismo, mas sim dos caceteiros miguelistas. “Drôles de gens que ces gens-là” (para os amantes de ópera).
Outra diferença significativa tem a ver com o “inimigo interno”. Como disse atrás ao falar do populismo, faz parte essencial do fascismo a identificação de uma grupo particular – étnico, cultural, religioso, etc. – como inimigo interno, a ameaça à coesão social da comunidade nacional, eleita, transcendental. Para os fascismo clássico, foram inicialmente os comunistas – e, por arrastos, os socialistas - mas, uma vez estes derrotados, foram os judeus (menos na Itália e na Península Ibérica).
Um aspeto novo do neofascismo atual é que o inimigo interno se constelacionizou. Essencialmente é o imigrante, mas com nuances, por diferenças no quadro dia imigração. Nos EUA, é o imigrante hispânico, na Alemanha o turco, mas depois também o sírio refugiado. Na França e na Espanha, los magrebinos. Nestes casos europeus há o traço comum do islamismo, a juntar-se à imagem ameaçadora do fundamentalismo daeshiano e à imagem facilmente manipulável – embora real – da intolerância, da estranheza em relação aos nossos valores, como a opressão da mulheres simbolizada no traje.
O quadro português é mais variado, pelas vagas sucessivas de imigração. A hostilidade ao cigano é coisa antiga. Depois, foi a imigração africana e brasileira, em que a comunidade linguística não favorece muito a exclusão. Pelo meio, a grande migração leste-europeia, russa, ucraniana e moldava, era branca e educada. Só recentemente é que a imigração asiática indiana, bengali e nepalesa, nos está a aproximar do quadro previamente europeu, mas sem a marca forte do islamismo.
O imigrante ainda é hoje o bode expiatório principal, mas o neofascismo ataca também outros inimigos, na qual pluralidade de movimentações identitárias e de “causas”. São os ambientalistas, os wokistas, os “desviantes sexuais”, os pacifistas, as vanguardas culturais, todos os que desafiam a “ordem estabelecida”. Não vou discutir isto, que tem decorrências evidentes para a ação, mas chamo a atenção para dois aspetos essenciais.
Alguns destes movimentos extremaram-se de forma a fornecer armas ao inimigo. Criticar esses desvios, como perniciosos que são, defronta-se com esse dilema, de estar a alimentar a demagogia neofascista. É um velho problema político. Ainda ontem conversava com a MQT sobre a contradição de nunca termos lido uma crítica tão bem articulada ao regime soviético como a de Cunhal ao explicar no XIII congresso do PCP a implosão da URSS, mas ao mesmo tempo deixando em aberto a pergunta essencial: “porque não disseram antes?”.Aprendamos e tenhamos hoje coragem para denunciar o erro dos companheiros antes que os inimigos o utilizem em seu proveito.
Com esta multiplicidade alvos, que dificulta o ataque, fica facilitada a defesas é óbvio. É imperioso que todos esses campos de ação percebam que têm um inimigo comum e que precisam de se unir no seu combate. O identitarismo “wokista” tem sido fracionista, mesmo gerando contradições, poria exemplo entre raça e sexo-género, mas é tempo de se pensar que todas essas lutas legítimas só encontram sentido na perspectiva global do domínio do sistema sócio-económico e da sua ideologia hegemónica.
3. O neofusionismo
É um aspeto que se relaciona com essa flexibilidade oportunista do neofascismo, o seu ecletismo fusionista. O fascismo tradicional vai buscar influências diversas, como sempre nas construções ideológicas, mas com algumas coerência intelectual. O neofascismo, numa linha que, com alguma divagação, vem do reaganismo, caracteriza-se por um ecletismo de pilha-apanha de variadas correntes de pensamento. O neofascismo vai beber ao tradicionalismo, ao fundamentalismo religioso, ao autoritarismo político, e nem sempre a síntese é coerente. É uma jogo complexo de reunião de ideias e de interesses, por vezes com contradições internas, como veremos adiante, ao analisar a base económica do neofascismo. Pode haver uma direita radical que é conservadora no plano político-social mas admitindo alguma liberalidade nos costumes, como a IL. Pode haver uma tradicionalismo nos costumes associado a alguma perspetiva social, como em algumas correntes católicas. E há o neofascismo, antiliberal em ambos os domínios.
O fusicionismo, muito personalizado por Reagan, é muito tipicamente americano, mas começa a ter influência na Europa. É a fusão entre o conservadorismo e o libertarianismo de direita, na política e na economia. Mistura o dogma do mercado livre, o conservadorismo social e moral e uma política externa agressiva. O termo vem da característica principal do movimento, de ter conseguido congregar forças distintas mas convergentes, libertários, conservadores tradicionais e anticomunistas para produzir as ideias e os escritos que compuseram o conservadorismo moderno. O seu expoente são os chamados “neocons”, que, sendo distintos do neofascismo, convergem para uma ação comum. Os neocons consideram-se intelectualmente superiores, uma elite, mas, na prática, são hoje os maiores aliados do neofascismo trumpista nos EUA.
4. O contexto
Obviamente, um quadro histórico com um século de evolução teria sempre de mudar as coisas, mesmo que para que, mudando alguma coisas, tudo fique na mesma. De todo um tratado que serias necessário, deixo só alguns exemplos de mudanças significativas.
No dealbar do fascismo clássico, não havia a crise ambiental e climática. Não vou falar do que isto significa no plano subjetivo e na ação política específica que lhe está associada. Importante, na prática, é ter em conta os seus impactos económicos a condicionar a política; a dinâmica da economia verde contra o capitalismo extrativista; as relações com a ordem internacional dado que a crise exige uma posição multilateral contrária à ordem prevalecente.
Não havia a revolução tecnológica da quarta geração, o seu impacto no trabalho e na estrutura social e de classes, a aldeia global, a infosfera, o tempo único universal e a simultaneidade dos mercados, o homem unidimensional, as redes sociais e a formatação das mentes (como Goebbels gostaria de viver hoje!…) –· cada coisa destas a dar um livro de discussão.
E não havia a China! (Que também tem muito a ver com o ponto anterior).
(Continua na próxima semana)
NOTAS SEMÍNIMAS
1
Os governantes europeus parecem baratas tontas. Desde que Trump esses próximos os enxovalharam e lhes retiraram o copinho de uma NATO hoje claudicante, mesmo no seu ponto nodal, a guerra da Ucrânia, parecem estar à deriva.
Israel seria hoje um ponto central para marcar a diferença e mostrar que a Europa passa sem a subordinação aos EUA. Trump é um incondicional de Netanyahu, é violentamente hostil à causa palestiniana e até teve o projeto mirabolante da Riviera do Médio Oriente. No ambiente generalizado de condenação do genocídio praticado por Israel, seria muito difícil os europeus – faça-se justiça à exceção espanhola – destacarem-se do apoio americano, já que nada estão a dever ao tio Sam?
2
Seguro lança candidatura a Belém: “Afastei-me quando podia dividir, volto agora para unir”. Há algum candidato que não diga que vem para unir os portugueses= Em que nova União Nacional? Mas, conquistado já relativamente bem o eleitorado de Gouveia e Melo e parecendo estar Marques Mendes a agarrar a parte do PSD que não vai com o almirante, quem fica para Seguro? Seguro que é todo o PS, quando boa parte irá também pelos ventos navais e quando o ex-secretário geral é hoje uma figura esquecida, depois de ter sido uma figura apagada que nem sequer teve a projeção de ter passado pelo governo?|Pu muito me engano ou Seguro deu um seguríssimo tiro no pé mas, com isso, inviabilizando uma candidatura alternativa à do provavelmente triunfante neo-Sidónio.
3
Toda a gente percebe que, com a ascensão do Chega, a imigração tem de ser tratada com o maior cuidado e bom senso. Ela é necessária e os imigrantes devem ser integrados eficazmente, não só porque têm o direito humano a uma vida digna que não seja de escravatura encapotada como porque só assim se sana o clima de “estranheza” dos nativos que é pasto para a besta neofascista. Ter atenção política à imigração e regulá-la não é xenofobia; é exatamente o seu contrário, a defesa dos imigrantes contra a exploração e a exclusão pela sociedade.
Isto vem a propósito de uma notícia que dizia que os imigrantes motoristas de TVDE já são quase tantos como os taxistas, representando praticamente metade do total dos motoristas de TVDE. Cerca de metade dos estrangeiros são brasileiros, sendo os restantes indianos, paquistaneses e bengalis.
São vulgares as queixas contra esses motoristas, que não falam português, conduzem perigosamente, não conhecem os percursos e, de vez em quando, são acusados de agressão. Mas a responsabilidade disto é deles ou dos seus empregadores e também da falta a de fiscalização? A lei é exigente, para se ter autorização pra se conduzir um TVDE: carta de condução há mais de 3 anos, com averbamento no grupo 2; conclusão um curso de formação específico para motoristas TVDE (presume-se que em português) com duração de 50 horas, incluindo módulos sobre comunicação, normas legais de condução, técnicas de condução e primeiros socorros; comprovação da idoneidade do candidato pelo IMT. Será que tudo isto é cumprido?
4
E já que estamos a falar de imigrantes: “numa rua na freguesia de Lordelo do Ouro acontecia um “despejo ilegal” de um grupo de imigrantes” (título no Público). A notícia é menos “banal”. Um médico, provavelmente de boa fé, autorizou a sua inquilina a subalugar. Ela bem o fez, albergando num vulgar apartamento entre 20 e 30 imigrantes, imagina-se em que condições. A placa de fogão tinha apenas um disco a funcionar e o forno só aquecia por cima. A máquina de lavar roupa avariou há vários meses e nunca foi arranjada. A limpeza diária, que faz parte do contrato, não era feita há meses. Os lençóis também não eram trocados.
O mais sinistro é que essa “empresária” de origem brasileira – que devia saber o que é a imigração – ex-candidata a Miss Mundo, axe apresenta, como é hábito nesses concursos, como ativista e defensora da saúde e dos direitos dos imigrantes.
A história tem outra faceta problemática. A situação é ilegal, os vizinhos protestam, as autoridades fazem cumprir a lei determinando o despejo forçado. E esses imigrantes semi-escravizados para onde vão? Para alojamentos decentes garantidos pelas entidades sociais de acolhimento ou para outro dormitório do mesmo tipo, senão mesmo para o relento? Malvados dos imigrantes, que têm a culpa disto tudo. “Eles e os ciclistas”, parafraseando um texto de Pitigrilli. “— Porquê os ciclistas?”. “— E porquê os imigrantes?”
5
À margem das operações militares convencionais, a Ucrânia marca pontos em operações especiais, preparadas com grande utilização da “inteligência militar” e com impacto geopolítico, se calhar dirigidas mais para a atenção dos EUA do que para a Rússia. Sabotar a ponte da Crimeia, estrategicamente essencial para a Rússia, e, principalmente, causar danos significativos a uma base de aviões russos portadores de bombas nucleares a muitos milhares de quilómetros de distância, como aconteceu recentemente, é devastador para a imagem das capacidades de interseção da Rússia, div suas defesas estratégicas e dos seus serviços secretos.
Militarmente, depois do fracasso dos objetivos iniciais russos de 2022 e da derrota na estrada para Kiev, depois do empastelamento da ocupação do leste da Ucrânia, depois da dificuldade de recuperação dos territórios russos na região de Kursk (com o seu valor simbólico da II GM), depois da facilidade do golpe de Prigojin, é legítimo perguntarmo-nos se a Rússia não é, militarmente, um urso de papel, que só é grande no peso das suas muitas toneladas de carne para canhão.
E não é essa imagem propagandística ocidental do perigo russo que está a justificar o atual belicoso europeu? A Europa tem de se armar até aos dentes para se defender desse inimigo que ameaça vir até ao Cabo da Roca avançando como faca em manteiga? Ou um urso de papel queima-.se com um fósforo?
NOS JORNAIS
No Guardian
“Foreign ministers from the UK, France and Germany are to meet their Iranian counterpart Abbas Araqchi in Geneva on Friday aiming to create a pathway back to diplomacy over its nuclear programme. The meeting comes a day after US President Donald Trump set a two-week deadline to decide whether the US will join Israel’s war on Iran to allow for negotiations to continue.”
(Os ministros das Relações Exteriores do Reino Unido, França e Alemanha se reunirão com o seu homólogo iraniano, Abbas Araqchi, em Genebra, na sexta-feira, com o objetivo de criar um caminho de volta à diplomacia sobre o programa nuclear do país. A reunião ocorre um dia depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, ter estabelecido um prazo de duas semanas para decidir se os EUA se juntarão à guerra de Israel contra o Irã, a fim de permitir que as negociações continuem.
Estão a tentar apagar a imagem vergonhosa de complacência com o genocídio praticado pelo governo israelita e as suas FDI? Entretanto, Trump (para alguns o pacifista…) está a ponderar ainda a possibilidade, que não afasta, de intervir diretamente contra o Irão, ao lado de Israel.
2.
“The war between Iran and Israel could have a “harmful” migration impact on Europe, Turkey’s President Recep Erdoğan has warned. The conflict could spark a surge in migration that would affect Europe and the region, Erdoğan said, according to AFP. The spiral of violence triggered by Israel’s attacks could harm the region and Europe in terms of migration and the possibility of nuclear leakage,” his office quoted him as saying in a phone conversation with German chancellor Friedrich Merz.”
(A guerra entre o Irão e Israel pode ter um impacto «prejudicial» na migração para a Europa, alertou o presidente da Turquia, Recep Erdoğan. O conflito pode provocar um aumento da migração que afetaria a Europa e a região, disse Erdoğan, segundo a AFP. A espiral de violência desencadeada pelos ataques de Israel pode prejudicar a região e a Europa em termos de migração e da possibilidade de fuga nuclear», afirmou o seu gabinete, citando uma conversa telefónica com o chanceler alemão Friedrich Merz.).
Depois dos refugiados sírios, agora iranianos, a tornar ainda mais complexo o problema da imigração, mesclando imigração humanitária de refugiados com imigração económica?
3.
“Russia: ‘Regime change in Iran would be unacceptable and the assassination of the country’s supreme leader would open the Pandora’s box’, the Kremlin spokesperson has said, a day after the Israeli defence minister said Ayatollah Ali Khamenei ‘can no longer be allowed to exist’.
Kremlin spokesman Dmitry Peskov told Sky News that Russia would react “very negatively” if Ayatollah Ali Khamenei was killed. “The situation is extremely tense and is dangerous not only for the region but globally,” Mr Peskov said in an interview at the Constantine Palace in Saint Petersburg.”
(Rússia: Uma mudança de regime no Irão seria inaceitável e o assassinato do líder supremo do país abriria a caixa de Pandora, afirmou o porta-voz do Kremlin, um dia depois de o ministro da Defesa israelita ter dito que o aiatolá Ali Khamenei «não pode continuar a existir».
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse à Sky News que a Rússia reagiria «muito negativamente» se o aiatolá Ali Khamenei fosse morto. «A situação é extremamente tensa e perigosa, não só para a região, mas para todo o mundo», afirmou Peskov numa entrevista no Palácio Constantino, em São Petersburgo.)
Será que fui irrealista quando, há dias, perguntei aqui se já tinha começado a 3ª Guerra Mundial?
4.
A Espanha recusou a aplicação do plano da NATO de aumento das despesas militares para 5% do PIB , coisa quem entretanto, a outrora progressista e pacifista Noruega ao mesmo tempo aprovou alegremente. Sánchez, manda alguém do PSOE vir dizer algumas coisas aos camaradas portugueses do PS!
CINEMA
1. O “A Grande Ambição” é um filme sui generis, de Andrea Seguro, entre biografia ficcionada e documentário e ensaio político. Debruça-se sobre cinco anos da vida política de Enrico Berlinguer (excelentemente interpretado por um ator que não conhecia, Elio Germano), secretário do Partido Comunista Italiano, os anos marcantes entre a queda de Allende e o fracasso do “compromisso histórico” devido ao assassinato de Aldo Moro.
Dá motivos para muita reflexão, para o que hoje não tenho tempo. Fica para a semana, mass deixo o alerta porque é possível que, entretanto, o filme saia de exibição. Será pena que o percam.
2. Nessa sessão, vi o “trailer” de um filme português de que não fixei o nome. Não o irei ver porque não tem legendas e não percebi nada dos diálogos, principalmente quando eram em voz baixa, em registo intimista.
Desde a geração “Morangos com Açúcar”, a televisão e o cinema foram invadidos por atores sem escola, sem técnica, com a característica marcante de uma péssima dicção. Andam muitos defensores da língua pátria centrados na preocupação com o AO90 – sobre o qual tenho uma posição pragmática – e menos com os tratos de polé que a nossa língua falada está a sofrer. É a acelerada degradação fonética, a torná-la uma língua de consoantes e anasalamento, são os pontapé na sintaxe, é a pobreza vocabular mesmo de gente instruída, é a invasão dos brasileirismos sem sentido e, cada vez mais, a parolice do inglês (e mau inglês) até em designações oficiais de instituições e acontecimentos organizados (os chamados “eventos”, um termo que, sendo realmente português, não era vulgar e só se generalizou por contágio de “event”).
PARA DESCARREGAR
Já há meses que foi publicada em Portugal, com o título “A Esquerda não é # woke”, a tradução do livro de Susan Neiman (filósofa americana, diretora do Einstein Forum em Potsdam, Alemanha), “The Left is not #woke”. Julgo ser de leitura imprescindível; ou talvez seja a minha preocupação com o tema, tantas vezes por mim discutido, considerando que parte da esquerda, ao privilegiar os ultraidentitarismos em relação à luta social de classe, estar a fazer um frete ao neofascismo.
Li o livro em inglês e com muito agrado e concordância. Verifico agora que quem quiser descarregar gratuitamente o livro, em inglês, o pode fazer do sítio Dokumen.PUB
Transcrevo o resumo, na edição portuguesa: “Se somos de esquerda, somos woke. Se somos woke, somos de esquerda. Não, não é assim. E este erro é extremamente perigoso. Na sua génese e nas suas pedras basilares, o wokismo entra em conflito com as ideias que guiam a esquerda há mais de duzentos anos: um compromisso com o universalismo, uma distinção objetiva entre justiça e poder, e a crença na possibilidade de progresso. Sem estas ideias, afirma a filósofa Susan Neiman, os wokistas continuarão a minar o caminho até aos seus objetivos e derivarão, sem intenção mas inexoravelmente, rumo à direita. Em suma: o wokismo arrisca tornar-se aquilo que despreza. Neste livro, a autora, um dos nomes mais importantes da filosofia, demonstra que a sua tese tem origem na influência negativa de dois titãs do pensamento do século XXI, Michel Foucault e Carl Schmitt, cuja obra menosprezava as ideias de justiça e progresso e retratava a vida em sociedade como uma constante e eterna luta de «nós contra eles». Agora, há uma geração que foi educada com essa noção, que cresceu rodeada por uma cultura bem mais vasta, modelada pelas ideias implacáveis do neoliberalismo e da psicologia evolutiva, e quer mudar o mundo. Bem, talvez seja tempo de esta geração parar para pensar outra vez.”
MÚSICA EM VÍDEO
A peça de hoje é também uma evocação açoriana, porque se trata das “Lusitanas”, para piano, do compositor açoriano (S. Jorge) Francisco de Lacerda (1869-1934). Creio que é pouco conhecido entre nós mas teve boa projeção internacional na primeira metade do século XX. Notabilizou-se principalmente como maestro, com uma carreira internacional, mas também como compositor, influenciado principalmente pelos compositores franceses com que conviveu em Paris, durante o seu início de carreira, nomeadamente César Franck, Fauré, Ravel e Poulenc.