#36 - Pequena crónica de viagem, ou "eine klein nachtmusik", ouvida nestes dias
Estou a escrever fora do ritmo que me impus. Com atraso em relação ao hábito semanal, do boletim de sábado, por me ter ausentado para umas curtas férias, de que dou conta neste número do meu boletim. Por outro lado, por vos estar a maçar com bombardeamento mais frequente da vossa caixa de correio, como hoje.
Escrever é uma compulsão, com a consciência de que é só enquanto posso. Feitos 80 que julgo ainda bem vivos, estou a sentir uma corrida angustiante contra o tempo. coisa terrível que aprendi é que o tempo psicológico é muito relativo em relação ao tempo físico (e mesmo este tem de ser visto á luz de Einstein). O de muitos dos meus leitores e amigos, felizmente, ainda vai entre adagio e moderato. Alguns, a quem eu vou chamando de os meus velhos jovens, como a minha mais-que-tudo, já vão estando em andamento entre andante e moderato, ela – para me desafiar, como nesta viagem, – mais em allegro moderato. Eu, hélas!, já sinto o tempo a passar como presto!
Tenho alguma compulsão pelos lemas, pelas máximas, pelas citações célebres.
Uma das mais conhecidas é a putativa última expressão de Goethe, “Mehr Licht”, mais luz. Muitos dos meus amigos sabem que a minha principal preocupação de hoje tem a ver com a luz. Por isto, associo-me a Goethe:
“Mehr Licht, mehr Zeit”, mais luz, mais tempo.
Pelas capitais dos Habsburgos
Há muito tempo que tínhamos programado um circuito pelas três capitais imperiais dos Habsburgos, Viena, Budapeste e Praga. Foi agora. Numa semana aproveitada até ao limite das forças - antes fazia uma dezena de quilómetros por dia, em turismo - conseguimos ver mesmo mais do que o essencial.
Por falar em Habsburgos e suas primas bávaras – e esquecendo os sementais Sax-Goburg-Gothas que fornicaram por todas as cortes europeias, desde Buckingham até Belém – fiquei farto nesta viagem da ubíquota Sissi, É a Barbie imperial da máquina turística daquelas paragens.
Mas fora isto, são paragens inprescindíveis de figurar no nosso catálogo turístico. Há muito tempo que a MQT (aceito adivinhas), ou simnplifícadmente a F e eu tinhams em agenda a visita às três capitais imperiais austríacas, Viena, Praga e Budapeste. Ela tinha estado em trabalho em Praga mas só com tempo para um passeio curto pela cidade velha. eu tin ha estado há muitos anos em Budapeste. Nenhum de nós conhecia Viena.
O circuito é muito fácil. Há voo direto de Lisboa para Praga e, no regresso, de Budapeste para Lisboa com uma ligação rápidas em Munique. De uma cidade para a outra, são 2 a 3 horas de comboio.
São cidades bem distintas mas com um excelente traço comum, o da arquitectura e urbanismo do romantismo, em grande esplendor, mesmo descontando algum gasto pelo pastiche em que não alinho – por exemplo, a transformação da Nossa Senhora do Tyn de Praga ou os celebrados parlamento e bastião dos pescadores em Budapeste.
Praga é uma encanto. Eu costumo classificar bas grandes cidades em três classes (fora Veneza, que não é classificável) e esquecendo cidades “chatas”, como Bruxelas ou Copenhaga: 1. as cidades cheias de monumentos e de coisas de grande beleza, mas com as quais mantenho alguma distância – Nova Iorque, Londres, Paris, Florença. 2. As cidades em que quero ver coisas marcantes mas em que também gosto de passear ao calhas – Roma, Madrid, Amesterdão, Montreal, Rio. 3. As cidades que sinto como minhas, de que me despeço com tristeza – Barcelona, Granada, Salvador.
Nesta viagem, Viena e Budapeste entraram na classe 2, mas Praga ficou na classe 3. Nos próximos números, darei conta de mais coisas, ficando hoje só uma impressão geral.
Das três capitais, como seria de esperar, Viena é a que transmite maior imagem majestática, que mais não fosse porque é aquela que tem mantidos museologicamente os palácios imperiais - Hofburg, Schönbrun e Belvedere. É também aquela em que é imp rescindível ver o museu de pintura, cheio de Rubens, van Dick, Brueghel, Rembrandt, Vermeer, etc., alguns Velasquez e Ticianos, enfim som pintores dos imperadores. A cidade é monumental, com conservação total do seu espírito romântico imperial, de que se destaca a magnífica catedral gótica tardia.
Budapeste é em boa parte a réplica de segunda linha da capital imperial. Impera em Pest, a cidade “nova”, o mesmo romantismo, muito bem conservado. Não há rua em que não apeteça fotografar uma ou outra casa. A diferença para com Viena sente-se como a diferença entre uma corte vienense de primeira classe imperial e a emulação da capital do reino de segunda classe. Vale a Budapeste o contraste entre a cidade romântica de Peste e o casticismo de Buda, do outro lado do rio Danúbio. Para um amante da História da arte, há de tudo, desde o gótico da Igreja de Matias ao neoclássico de parters do “castelo” (entre aspas, porque é mais um conjunto de palácios do que um castelo no sentido em que entendemos o termo).
(A propósito de rio: para se ver o Danúbio em Viena, que só é atravessada por um canal, é preciso afastarmos-nos alguns quilómetros. Vemos então o Danúbio largo e bem azul. O rio que passa mesmo em Budapeste, como o Tamisa, o Sena ou o Tigre, é cede um verde acastanhado, urbano, que nada relembra a a célebre valsa)
Praga é outra coisa. Tem essa dimensão romântica, tem modernidade em algumas zonas como a Praça Venceslau, mas tem a antiguidade castiça que vai até ao gótico dos dois polos principais, a cidade velha e o castelo, ligados pela magnífica ponte Carlos.
Respira-se história, numa cidade ao mesmo tempo moderna e efervescente, talvez demasiadamente cheia de turistas. Ao contrário de Budapeste, não se vê o mínimo sinal de degradação imobiliária, de falta de recursos. E nada mancha a imagem der época, sem um único edifício moderno a destoar do conjunto. Eles só aparecem – e geralmente, com boa qualidade arquitetónica - quando se entra na coroa exterior, dos subúrbios, e estes sem o aspeto feio e árido dos de muitas outras cidades, incluindo as nossas.
Coisa comum às três cidades é a clara “imagem de época”. Em cada ponto específico, situa o-nos no ambiente de uma certa época, sem misturas. É inevitável vir à ideia o exemplo oposto de Lisboa. Gosto muito da minha cidade de adoção, vejo-lhe encanto e tipicidade, mas não tem monumentalidade, com um centro nobre desprovido de riqueza em virtude das circunstâncias práticas em que tece de ser feita rapidamente a reconstrução pombalina, O pior, impensável em qualquer destas que visitei, foi a descaracterização, a destruição de toda uma época. Onde está a Lisboa romântica que ainda conheci, a do eixo Liberdade - Fontes - República? Ainda por cima, construir prédios modernos altos com a implantação do terreno de uma moradia Ventura Terra tinha de dar muito mau resultado.
Fora os bairros populares e a zona pombalina, não há “zonas de época” que justifiquem visita, como (ainda) são Campo de Ourique ou Alvalade, esteticamente desinteressantes e, vá lá melhor, o Bairro Azul.
E quando o turista chega cá e a primeira coisa que faz é ir ao WC do aeroporto, o que vê é isto:
Hoje vai só este aperitivo. Nos próximos números adiantarei mais - gastronomia, impressão das gentes, oferta cultural, algumas curiosidades.
Mas porque a vida não é só feita de coisas agradáveis
Não ponho as mãos no fogo contra a ideia de que podemos estar a viver o início d a 3ª guerra mundial. Será uma guerra atípica: soma de várias guerras aparentemente distintas (mas isto jamais aconteceu na Guerra dos Trinta Anos), guerra à distância sem invasão, operações com homens no terreno e sem cruzamento de fronteiras, maior importância do fator material e de equipamento do que do fator humano, muito maior dano para as populações, que passam a ser alvos reais e primários, não apenas caso de “danos colaterais”.
Este conflito Israel-Irão serve às maravilhas os interesses sionistas. Aproveita a hostilidade do Ocidente em relação ao Irão para ganhar o seu apoio e desvia as atenções do genocídio de Gaza.
Um sinal evidente disso é o alívio da Europa em relação à atitude para com Israel, com um apoio que estava a ser reticente por força do ecesso do amigo israelita. Agora, “afirmaram o direito de Israel a "defender-se", acusaram o Irão de ser a "principal fonte de instabilidade e de terrorismo na região" e apelaram à "protecção dos civis", segundo uma declaração conjunta. No mesmo texto, assinado esta segunda-feira, afirmaram que têm "sido consistentemente claros quanto ao facto de o Irão nunca poder ter uma arma nuclear" “ (Público).
Isto não é também do que o que disseram sobre a Rússia em 2022? Que ela tinha o direito de se defender, que a Ucrânia .era uma fonte de instabilidade? Ou estou a tresler?Numa mensagem do meu primo americano: “Altogether, the No Kings protests throughout the US were the largest national protests in US history. Even in remote towns in Alaska and in every red state, there were protesters. The resistance to Trump has now awoken.” (No total, os protestos No Kings em todo os EUA foram os maiores protestos nacionais da história dos EUA. Mesmo em cidades remotas do Alasca e em todos os estados republicanos, havia manifestantes. A resistência a Trump agora despertou.).
Pode parecer coisa menor, mas tem significado, tanto quanto milenarmente se associa ao poder político a imagem de “gravitas”.
Um chefe de Estado que diz ordinarices, que passa revista às guardas-de.-honra no estrangeiro com ar indolente e distraído, de casaco desabotoado, que se apresenta em trato formal mas com boné de basebol na cabeça, dá imagem de coisa rasca. O problema é que não é só imagem.
Até sábado. E façam o favor de resistir…